sábado, 7 de agosto de 2010

Lembranças....

Ele procurou por uma campainha. Até onde se lembrava havia uma no canto da parede, mas não conseguia encontrar, quando olhou para cima viu uma câmera de segurança o observando, e logo abaixo um interfone, pensou em como a modernidade havia chegado num lugar tão remoto como aquele. Não exitou, tocou o interfone, depois de alguns, para ele intermináveis minutos, uma voz atende do outro lado. Explicado o motivo da visita o pesado portão, agora eletrônico, vai abrindo-se devagar. Olhando para o interior tudo parece intocado, o jardim de margaridas estava lá florido, as roseiras cheias de rosas vermelhas. Lembrou-se de quantas vezes havia furado os dedos ali cuidando das rosas, o chafariz que despejava água por duas jarrinhas que se encontravam no centro da fonte ainda funcionava. Uma vez ele e seus amigos, todos crianças, brincavam próximo da fonte e um deles o derrubou dentro dela, molhando-o todo, foram muitas broncas e o castigo, uma semana sem lanche a tarde e um dia inteiro de castigo dentro do dormitório. Afinal, muitas coisas haviam acontecido, pensou em perde-se em pensamentos, mas não houve tempo, uma senhora rechonchuda aproximava-se, sorriso simpático, ficou buscando na memória, achava que a conhecia. Sim, a conhecia, era Rosinha, a pequena mocinha que ajudava nas tarefas da cozinha, nossa como ela havia mudado, agora era uma senhora de uns quarenta anos, por ai, considerando o fato dele hoje ter trinta anos, ela deveria ter uns quarenta ou quarenta e cinco no máximo. Ela não teve a menor cerimônia, o abraçou apertado e sorrindo muito de alegria- Antonio, achei que nunca mais ia ver você, olhe para você é um homem feito, como está bonito!- Ele sorriu meio sem graça, não esperava aquela recepção, muito menos encontrar a Rosinha por ali depois de tantos anos, afinal ela era uma que sempre quisera fugir daquele lugar. Rosinha entendeu seu olhar perplexo, e foi conduzindo-o ao interior do orfanato. Só de passar pelas portas ele sentiu uma sensação estranha, parecia que suas pernas falhavam e suas mãos estremeciam, Rosinha percebeu o choque e segurou mais forte a sua mão, confortando-o com um sorriso- Antonio, este lugar não é mais o mesmo que você conheceu, existe uma história que eu vou te contar- Neste momento passam por ele um grupo de crianças correndo e sorrindo alto, definitivamente não era o mesmo lugar, lembrou-se de atravessar aquele corredor inúmeras vezes, em fila e sempre calado, sem sorrir, aliás sorrir era uma coisa que ele teve que aprender depois que saiu de lá. Junto com  grupo vinha uma professora linda, devia ter um vinte e cinco anos, ela trazia pela mão uma criança com síndrome de Daw, outra coisa absurda, o orfanato jamais havia admitido crianças "com defeito", esta situação o fez virar-se para trás, e ver a professora sorrindo para ele e a criança também. Não sabe bem por que mas sentiu um certo conforto com aquelas duas pessoas sorrindo e mais a mão de Rosinha que ainda o segurava, conseguiu sorrir de volta. Pararam em frente a sala da diretoria, um frio subiu pela sua espinha, quantas vezes foi até aquele lugar para ser castigado, ou receber tarefas novas para cumprir ou na esperança de que havia alguém que quisesse adotá-lo. Bem, na verdade um dia houve alguém sim que quis adotá-lo. Rosinha o confortou -Não se preocupe, Antonio, você não vai encontrar a Dona Amália por detrás destas portas, ela já se foi desta vida, agora esta sala é minha- A porta foi abrindo devagar, ele não podia acreditar, eram os mesmo móveis clássicos, mas havia flores nos vasos, retratos de crianças nas paredes, um canto com brinquedos pedagógicos, o tapete debaixo de seus pés era macio, as janelas estava abertas e o sol fazia parte da sala, era quase inacreditável que na antiga sala da Dona Amália agora houvesse vida! Foi convidado a sentar-se, possivelmente a primeira vez depois de trinta anos que se sentava naquela cadeira, sempre ouviu seus comandos em pé, e ás vezes ouviu broncas ajoelhado em frente a parede, mas jamais havia sentado ali. Pacientemente, Rosinha foi contando toda a história para ele, tudo que aconteceu naquele lugar depois que ele havia ido embora adotado pela família Soares, uma abastada familia do sul do país.  O processo de mudança  começou com a denúncia de uma ONG, sobre os maus tratos que ocorriam com as crianças no orfanato, então aconteceu a intervenção do governo federal e a dona Amália foi afastada da direção do orfanato, uma entidade beneficiente tomou conta do local, mas foram tempos dificeis de adaptação e muito planejamento, algumas vezes eles passaram por várias dificuldades, mas o tempo foi o melhor amigo do orfanato, Rosinha  contou que com ajuda da ONG, fez faculdade de psicologia e não conseguiu se fastar daquele local, havia muitas crianças que precisavam de amor ali e ela estava muito presa emocionalmente aquele lugar, afinal foi a casa onde ela foi criada, desde bebê quando fora abandonada ali. Ela na verdade nunca conseguira localizar sua pobre mãe que abandonara, mas ela sabia que ali havia muitos irmãos e irmãs suas que precisavam dela e isto a motivou a continuar. Antonio estava pasmo, era tão inacreditável estar ali ouvindo tudo aquilo e não se conteve e chorou emocionado, comovido, esperançoso, enfim aliviado, sentia-se vingado, justificado. Rosinha que sempre fora uma "manteiga derretida" chorou junto e ficaram assim por quase uma hora recordando lembranças e conhecendo os novos planos do orfanato. Enfim havia chegado o momento, o motivo da visita veio a tona, Rosinha disse ao Antonio que após uma detalhada pesquisa, respondendo a um pedido escrito que ele havia enviando antes, ela havia conseguido localizar a pessoa que o deixara, trinta anos atrás naquele lugar. Abriu a gaveta e passou a ele um papel com um nome de mulher e um endereço escrito - Ela está viva, mora neste endereço, na cidade vizinha, não estive pessoalmente com ela, falei ao telefone, mas ela o aguarda ansiosa- Realmente dona Amália havia mentido a familia Soares, quando alegou que não sabia quem era sua mãe verdadeira, só agora depois de trinta anos que ele saberia os motivos do abandono. Levantou-se para partir, mas Rosinha o deteve, de jeito nenhum o deixaria ir embora sem conhecer o "novo" orfanato e o levou a um passeio pelas dependências, disse a ele que  seria bem vindo se quisesse ajudar aquelas crianças, afinal sabia que agora ele era um advogado formado e já com uma experiência e sua ajuda seria muito bem vinda, uma vez que sabia também que ele já não morava no Rio Grande do Sul e havia voltado para São Paulo, não havia se casado ainda e estava montando um ecritório de advocacia. Antonio sorriu perguntando onde ela havia adquirido tantas informações, Rosinha se limitou a falar que era uma boa detetive. Chegaram ao antigo refeitório, era hora do almoço, as crianças conversavam e comiam alegres, lembrou-se de suas antigas refeições ali, podia-se ouvir o barulho de uma folha caindo no chão, sorriu satisfeito finalmente conseguiu sentir-se seguro naquele lugar, as crianças sorriam e uma delas abraçou suas pernas quando virou-se viu a linda menina que portava Síndrome de Daw, ela segurando sua pernas sorriu dizendo que ele era bem vindo ali, ele abaixou um pouco e tomou-a nos braços, quando virou  se deparou com o sorriso de Rosinha e da professora linda que ele nem sabia o nome. Pensou que afinal poderia sim demorar um pouco mais ali, e quem sabe voltar e continuar a reescrever aquela história. O encontro com a mãe ficou um pouco mais para o final da tarde. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário